Mediação


Estico-me para as prateleiras superiores da minha biblioteca e não chego lá. Aquele livro que me atrai escapa-se aos meus dedos, parece que se retrai, recolhendo-se no seu lugar. É aquele o livro que eu quero, espero desesperado. Queria tê-lo nas minhas mãos, de páginas abertas, só para desfolhá-lo. Já nem me apetece tanto lê-lo.

Acho que o meu corpo tem que fazer alguma coisa para o abarcar. O lugar do esqueleto está imensamente contido no espaçoso lugar do olhar. Se os meus gatos aqui estivessem, teriam amarinhado pelas estantes para se anicharem lá em cima, de onde zombariam de mim, cerrando os olhos com o ar típico de quem já viu demais e não tolera tanta incompetência.

Eu rebateria a sua opinião num encolher de ombros, dizendo que com uma agilidade assim até eu. Pensando bem vale mais a agilidade para ler do que para trepar.

Será que vale? Afinal, tenho as minhas dúvidas. Por muito que um gato soubesse ler, nenhum livro lhe ensinaria a trepar às alturas.

É então que vou buscar o escadote de quatro degraus e empoleiro-me no cimeiro. Posso então distender os músculos da perna direita e os do braço direito descrevendo uma ogiva a convergir para o livro. A biblioteca transforma-se numa catedral onde pontifico no alto de um escadote. Bom é não estarem lá os gatos, não se lembrassem eles de me saltar para os ombros para se me roçarem no pescoço e me lamberem a barba e a cara com a sua língua de lixa.

Acabaria o livro a ler-me, a mim todo esparregado no chão.

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